Já bem conhecida nos círculos teológicos e musicais, a máxima de que a hinódia de uma tradição cristã expressa as suas crenças é um fato. Pois bem, isso não é diferente em relação a Harpa Cristã, o hinário oficial das Assembleias de Deus no Brasil.

O pastor e teólogo Roberto Ferreira, autor do livro “Teologia Pentecostal na Harpa Cristã: A Contribuição do Hinário na Formação da Doutrina Pentecostal em Nosso País (CPAD, 2022), foi preciso ao afirmar e identificar a influência de alguns aspectos da teologia da Reforma Protestante na Harpa Cristã:

“A Reforma Protestante teve, pelo menos, quatro vertentes: luterana, genebrina, inglesa e radical. Todas elas tinham algumas crenças e objetivos comuns que se resumem nos sola (somente a Escritura, somente a fé, somente Cristo, somente a graça e somente a Deus toda glória). Além dos solas, também o trinitarianismo é uma crença comum a todo o cristianismo, seja católico, seja ortodoxo ou protestante. Como o Movimento Pentecostal teve as suas raízes no protestantismo, é plausível que haja crenças comuns com outros segmentos protestantes.” (p. 112)

“A fundamentação doutrinária das Assembleias de Deus, chamada de “Cremos”, no seu item 2, diz: ‘Cremos na inspiração verbal e plenária da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé normativa para a vida e o caráter cristão (2 Tm 3.14-17). […] A Assembleia de Deus, portanto, como uma igreja de matriz protestante, identifica-se com o princípio reformado do “Somente a Escritura” (Sola Scriptura). Todas as doutrinas cridas e ensinadas nas Assembleias de Deus têm por base a Bíblia Sagrada, nossa única regra de fé e prática. Na Harpa Cristã, a Bíblia Sagrada é enaltecida […].” (p. 112,113)

“Segundo a Declaração de Fé das Assembleias de Deus, “a justificação é um ato da graça de Deus pelo qual a justiça de Cristo é imputada a todo aquele que crê em Jesus declarando-o justo […]. Esse artigo é fundamentado no texto de Romanos 3.22-24,28. […] Concluímos, então, que o princípio reformado do “somente a fé” também é partilhado pela tradição assembleiana, e isso é retratado nos hinos […].” (p. 114)

“Os reformadores defenderam veementemente o princípio de que o pecador por si só não pode apropriar-se da salvação. A Declaração de Fé das Assembleias de Deus elucida o entendimento do assunto conforme a teologia pentecostal clássica assembleiana brasileira […]. Percebemos, então, que a tradição assembleiana brasileira partilha do princípio reformado do “somente a graça”, e isso é retratado nos hinos […].” (p. 114,115)

“Os reformadores lutaram para que fosse resgatada a simplicidade do evangelho apostólico, defendendo o princípio de que a salvação está unicamente em Jesus Cristo (Somente Cristo) […]. Segundo a formulação teológica pentecostal clássica assembleiana brasileira, a primeira grande ênfase – e doutrina basilar – é o fato de que Jesus Cristo salva a todo aquele que, arrependido, crê no seu sacrifício vicário. Na harpa Cristã, são abundantes os hinos que enfatizam unicamente a Jesus Cristo […].” (p. 115,116)

“No protestantismo, inclusive o de tradição pentecostal, a soberania de Deus é algo indiscutível! Na Declaração de Fé das Assembleias de Deus, está escrito: ‘Cremos, professamos e ensinamos que Deus ó Supremo Ser, Criador do céu e da terra’ […]. Na Harpa Cristã, há hinos que expressam reverentemente o senhorio de Deus sobre a terra e tudo o que nela há […].” (p. 116)

A percepção de Roberto Ferreira acerca da relação direta entre os aspectos da teologia da Reforma aqui citados (solas) e a teologia pentecostal clássica está correta, e devidamente alinhada, dentre outras, com as seguintes declarações:

“A justificação é oferecida pela graça de Deus, Rm 3.24. É comprada por elevado preço – o sangue de Cristo. Rm 3.25,26. É recebida por se aceitar os méritos de Cristo, pela fé Rm 3.27,28. Foi a descoberta desta doutrina por Lutero e sua divulgação que trouxe a Reforma à Igreja” (Lawrence Olson, Lição Bíblica “O Plano da Salvação”, de 7 de abril de 1974, p. 7).

“Ao estudar o livro de Romanos, Lutero descobriu a grande verdade que ‘o justo viverá da fé’. […] Para todos nós esse movimento da Reforma foi muito importante, pois devolveu à Igreja a doutrina fundamental da justificação pela fé. Sem ela estaríamos no mesmo erro dos séculos de obscurantismo e em grave perigo de perder as nossas almas” (Lawrence Olson, Lição Bíblica “A Justificação”, de 2 de junho de 1974, p. 43).

“Os Reformadores adotaram sem questionar e sem reservas a declaração acerca da inspiração, e até mesmo da inspiração verbal da Bíblia. Lutero se mostra consistente quando o ouvimos trovejar no fim da sua vida: ‘Logo, ou cremos redondamente, e totalmente e completamente, ou nada cremos: o Espírito Santo não se deixa cortar ou separar, de modo que deixasse uma parte ser ensinada ou crida de modo verdadeiro, a outra parte de modo falso […]’”. (Raimundo de Oliveira, As Grandes Doutrinas da Bíblia, CPAD, 1987, p. 24)

“Lendo as Sagradas Escrituras, sentimos que estamos diante da inspirada e inerrante Palavra de Deus. Aliás, esta foi uma das maiores divisas da Reforma Protestante. […] Martinho Lutero mostrou-se firme quanto à inerrância bíblica: ‘Aprendi a atribuir infalibilidade apenas aos livros chamados canônicos, de forma que creio confiantemente que nenhum de seus autores cometeu erros.’” (Claudionor de Andrade, Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal, Antonio Gilberto [E.], 2. ed. CPAD, 2008, p. 39)

“O grande divisor de águas foi a Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero, numa época de obscurantismo, em que a igreja histórica descera aos níveis mais baixos de relaxamento moral e espiritual, depois de incorporar, ao longo dos séculos, diversas práticas pagãs em sua liturgia. Lutero resgatou a doutrina bíblica da justificação pela fé e estabeleceu o seguinte princípio, que se tornou lema dos evangélicos ao redor do mundo: ‘Só a graça; só a fé; somente as Escrituras’. A Reforma Protestante, portanto, deu origem às chamadas denominações históricas, em cujo meio floresceu o movimento pentecostal, nos primeiros anos do século XX, sabendo-se que houve através dos tempos manifestações pentecostais em diversas fases da história.” (Geremias do Couto, Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal, Antonio Gilberto [E.], 2. ed. CPAD, 2008, p. 422)

“A teologia pentecostal se fundamenta nas Escrituras Sagradas; é histórica e mantém o pensamento teológico dos reformadores quanto às doutrinas cardeais da fé cristã.” (Esequias Soares, Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal, Antonio Gilberto [E.], 2. ed. CPAD, 2008, p. 52)

“A Comissão Especial pesquisou os credos ecumênicos e as principais confissões de fé históricas durante mais de uma ano inteiro, examinando seu conteúdo, forma e apresentação.” (Declaração de Fé das Assembleias de Deus. 2.ed. CPAD, 2017, p. 19)

Diante do exposto, concluímos que não apenas a produção literária pentecostal clássica atesta a sua relação direta teológica, doutrinária e histórica com alguns aspectos da teologia da Reforma Protestante (no caso aqui tratado, os “solas”), como também, no nosso próprio hinário oficial, a Harpa Cristã, de forma poética e musical os seus compositores fazem o mesmo.

Tal teologia, tal hinologia!

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