Desde que algumas instituições de educação teológica confessionais buscaram o direito de credenciamento junto ao Ministério da Educação, e de reconhecimento de seus cursos, alguns problemas passaram a surgir nessa relação oficial.

No parecer emitido pelo MEC CES 241/99, de 15 de março de 1999, sobre os Cursos Superiores de Teologia, lemos:

Em termos da autonomia acadêmica que a constituição assegura, não pode o Estado impedir ou cercear a criação destes cursos. Por outro lado, devemos reconhecer que, em não se tratando de uma profissão regulamentada não há, de fato, nenhuma necessidade de estabelecer diretrizes curriculares que uniformizem o ensino desta área de conhecimento. Pode o Estado portanto, evitando a regulamentação do conteúdo do ensino, respeitar plenamente os princípios da liberdade religiosa e da separação entre Igreja e Estado, permitindo a diversidade de orientações.

Pode-se perceber claramente a liberdade que as instituições tinham para estabelecer as suas diretrizes curriculares, e isso com base na diversidade e liberdade de orientações religiosas. No voto dos relatores, é dito que: “Os cursos de bacharelado em Teologia sejam de composição curricular livre, a critério de cada instituição, podendo obedecer a diferentes tradições religiosas”.

Acontece, que com o passar dos anos o Ministério da Educação foi mais além, e as coisas começaram a mudar. Na Resolução nº 4, de 16 de setembro de 2016, emitida pelo Ministério da Educação, lemos:

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o curso de graduação em Teologia, bacharelado, que deverão ser observadas pelas Instituições de Educação Superior (IES) em sua organização curricular. Art. 2º A organização de cursos de graduação em Teologia, resguardadas as Diretrizes Curriculares Nacionais e os Pareceres desta Câmara, deverá ser elaborada com claro estabelecimento de componentes curriculares, os quais abrangerão […].

E para agravar a situação, o Ministério da Educação, através do mesmo documento, estabeleceu em seu Art. 6º e Inc. II, g, que trata das competências e habilidades específicas do curso de teologia, afirma: “O curso de graduação em Teologia deverá possibilitar formação […] agir proativamente na promoção do diálogo, do respeito e da colaboração em relação às outras tradições religiosas e aos que não creem […]”.

Algumas instituições de educação teológica confessional evangélica e reconhecidas pelo Ministério da Educação, com base nisso, alegam se envolver com pesquisas e práticas ecumênicas e inter-religiosas, como se fossem obrigadas pelo Ministério da Educação a  não apenas realizar tais pesquisar e práticas, mas também a fazer apologia a essas práticas, contrariando assim, a confessionalidade da instituição. Contudo, o princípio da autonomia acadêmica desfaz tal argumento.

Conforme Durham:

Por autonomia se entende, de modo geral, a capacidade de reger-se por leis próprias. Neste sentido mais geral, que os dicionários registram, o termo confunde se com “soberania” e se aplica integralmente e mais apropriadamente às nações. Quando se trata de uma instituição específica do Estado ou da Sociedade Civil, entretanto, a autonomia não confere uma liberdade absoluta. Instituições existem, são criadas e reconhecidas socialmente para preencherem funções sociais específicas e são estas que as legitimam. A autonomia de que gozam é restrita ao exercício de suas atribuições e não tem como referência o seu próprio benefício, mas uma finalidade outra, que diz respeito à sociedade. Desta forma, a autonomia da instituição é sempre relativa e deve ser definida como o reconhecimento de sua capacidade de reger-se por suas próprias normas no cumprimento das finalidades sociais às quais se destina. São assim as funções da universidade que balizam e definem a natureza de sua autonomia. É por isso que o próprio texto constitucional, afirmando que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, diz, simultaneamente, que “obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. (Constituição Federal, Art. 207). Desta forma, se a atual constituição não define explicitamente a natureza e as funções da universidade, o faz indiretamente, estabelecendo que se trata de uma instituição dedicada ao avanço do conhecimento e à sua divulgação, e que estas são, portanto, suas finalidades precípuas (estando o terceiro termo, “extensão”, obviamente, referido aos dois primeiros). Podemos então afirmar que a universidade goza de autonomia para executar essas atividades que lhe são próprias, e que não são realizadas para seu exclusivo interesse, mas constituem um serviço que presta à sociedade. Como consequência, o reconhecimento da autonomia não exime as instâncias públicas mais amplas da verificação da prestação efetiva desses serviços.[1]

Sobre a autonomia da pesquisa, Durham esclarece que:

A autonomia de pesquisa é a forma sob a qual se apresenta hoje a questão originária da liberdade de conhecimento, que é o cerne de toda a autonomia universitária. É em torno dela que se têm travado as grandes lutas da universidade contra a Igreja e o Estado. Consiste na liberdade de estabelecer quais os problemas que são relevantes para a investigação, definir a forma pela qual os problemas podem ser pesquisados e julgar os resultados da investigação por parâmetros internos ou processo de conhecimento, independentemente dos interesses externos que contrariem. […] A autonomia científica encontra assim seus limites, não em leis e regulamentos, mas na própria inserção da universidade no seu contexto social e intelectual. Finalmente a autonomia científica da universidade se desdobra internamente na autonomia dos pesquisadores. O que é fundamental na autonomia científica é a atribuição, aos próprios investigadores, na universidade, da decisão sobre quais as questões que podem ser pesquisadas com os recursos intelectuais e materiais existentes e a forma através da qual problemas do próprio campo de conhecimento ou da sociedade são transformados em objeto de pesquisa científica.[2]

Conversando com alguns diretores de faculdades confessionais e coordenadores de cursos teológicos reconhecidos pelo MEC, o entendimento deles é que uma faculdade confessional não tem a obrigação de defender, participar ou promover atividades ecumênicas. No Brasil, a Constituição Federal, em seu Art. 5º Inc. VI, diz que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”.

Pesquisadores verdadeiramente comprometidos com a confessionalidade da instituição, não defenderiam ou promoveriam ideias e práticas contrárias a tal confessionalidade.

Se além da pesquisa e da simples exposição do que é ecumenismo e diálogo inter-religioso (além da pesquisa e exposição sobre a história, natureza e práticas das religiões em geral) nas aulas e em publicações acadêmicas,  fosse imposta às faculdades confessionais a obrigação de promover e defender tais práticas, além do gritante abuso e ingerência do Ministério da Educação na confessionalidade das faculdades e na liberdade de crença dos seus diretores, professores e alunos, não valeria apena que estas instituições buscassem o credenciamento junto ao MEC, tendo com isso que negar a sua confessionalidade, relativizar a sã doutrina e sacrificar no altar do academicismo a fé que uma vez nos foi dada.[3]


[1] DURHAM, Eunice Ribeiro. A autonomia universitária: o princípio constitucional e suas implicações. São Paulo: NUPES – Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior Universidade de São Paulo, p. 1,2.

[2] Ibid., p. 5,6.

[3] O que é o ato de credenciamento MEC? O credenciamento é um ato autorizativo emitido pelo Ministério da Educação que permite a oferta de educação superior por uma instituição. Assim, o credenciamento pode ser definido como sendo o reconhecimento formal da validade da IES. De acordo com o MEC, as instituições de ensino podem ser credenciadas como faculdades, centros universitários ou universidades. Ainda, o credenciamento obedece à seguinte ordem: Inicialmente, a IES é credenciada como faculdade. O credenciamento como universidade ou centro universitário, com as respectivas prerrogativas de autonomia, depende do credenciamento específico de instituição já credenciada, em funcionamento regular e com padrão satisfatório de qualidade. O primeiro credenciamento da instituição tem prazo máximo de três anos para faculdades e centros universitários e de cinco anos para as universidades.

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