O primeiro a se dedicar na teorização sobre o papel “opressor” da família tradicional e a necessidade de destruí-la para concretizar a revolução socialista/progressista foi o psiquiatra, sexólogo e psicanalista Wilhelm Reich (1897-1957), onde dois de seus trabalhos se destacam: A Função do Orgasmo (1927) e A Revolução Sexual (1936). Reich afirmou que: “A formação do caráter na pauta autoritária tem como ponto central não o amor paternal, mais a família autoritária. Seu instrumento principal é a supressão da sexualidade do infante e do adolescente”. Entre as suas discípulas mais conhecidas está Simone de Beauvoir (1908-1986).[1] Reconhecendo o papel fundamental da família para a sociedade conservadora (ou moral sexual conservadora), ele a ataca ao dizer que a educação familiar tradicional (judaico-cristã) acarreta danos à vida sexual do indivíduo.[2] Para Reich, a família é um mal endêmico, que destrói tudo quanto os honestos esforços humanos estão tentando realizar.[3]

Discípulo de Sigmund Freud, Reich se afiliou ao partido comunista em 1928, onde tentou unir psicanálise e revolução marxista.[4] Ele se baseou na teoria de que:

A moral não surgiu em consequência da necessidade de reprimir impulsos socialmente perturbadores, pois já existia antes desses impulsos antissociais. Ela surgiu na sociedade primitiva, de certo interesse de uma camada superior, que se desenvolvia e se tornava economicamente poderosa, de reprimir as necessidades naturais que em si em nada perturbavam a socialidade.[5]

Em sua obra A Função do Orgasmo, Reich apresenta a sua teoria da Economia Sexual, onde basicamente afirma que as repressões sociais produzem chagas psíquicas que dão origem às ditaduras. A saúde psíquica, segundo Reich depende da potência orgástica, ou seja, da experimentação do clímax no ato sexual. Quando tal possibilidade (impulso ou energia vital) é reprimida ou impedida de ser experienciada livremente (ou naturalmente), produz ações antissociais, que seriam a expressão de impulsos secundários que estão em contradição com a sexualidade natural: “A causa imediata de muitos males assoladores pode ser determinada pelo fato de que o homem é a única espécie que não satisfaz à lei natural da sexualidade”.[6]

Alegando que novos “princípios morais” (e para ele salutares) já começavam a fazer parte do processo geral de “desenvolvimento da sociedade”, e que com isso ela se libertaria das repressões sexuais e de suas consequências, Reich relatou e aprovou algumas ideias e práticas “revolucionárias” na área da sexualidade, entre essas:

1 – Masturbação infantil: “A sociedade não autoritária, ao contrária da capitalista e burguesa, ofereceria às necessidades naturais campo completamente livre e garantia para a sua satisfação. […] Não somente não proibiria o onanismo infantil (masturbação ou estímulo sexual, mas impediria energicamente que qualquer adulto pusesse dificuldades ao desenvolvimento sexual das crianças”.[7]

2 – Virgindade feminina: “Há cerca de 15 ou 25 anos, era vergonha para uma moça solteira não ser virgem. Hoje as moças de todos os círculos e camadas sociais – aqui mais, ali menos, aqui mais claramente, ali mais obscuramente – parecem desenvolver a ideia de que é vergonha ser ainda virgem com 18, 20 ou 22 anos”.[8]

3 – Prática sexual entre jovens solteiros: “Se um rapaz de quinze anos quisesse ter relações amorosas (consensuais) com uma menina de treze anos, a sociedade livre não se oporia, e ainda o defenderia e protegeria”.[9]

4 – Sexo antes do casamento: “Há relativamente pouco tempo era considerado contravenção moral, exigindo punição severa, que um casal que pretendia contrair matrimônio se conhecesse sexualmente antes do casamento. Hoje, em amplos círculos, de maneira espontânea, apesar da influência da igreja, da medicina escolástica, filosofias etc., se impõe, cada vez mais o ponto de vista de que é ou pode ser anti-higiênico, imprudente ou desastroso que um homem e uma mulher, que pensam em entrar em relações mútuas duradouras, se liguem permanentemente sem antes terem certificado se combinam também na base de sua vida comunal, isto é, em sua vida sexual”.[10]

5 – Relacionamentos extraconjugais: “As relações sexuais extramatrimoniais, há alguns anos ainda uma vergonha e perante a lei uma “depravação da natureza”, hoje na juventude trabalhista, bem como na da pequena-burguesia alemã, tornou-se uma coisa comum e necessidade vital”.[11]

Para Reich, a “moral” que censura a masturbação e o estímulo sexual infantil, a prática sexual entre adolescentes, a prática sexual antes do casamento e a infidelidade conjugal, é uma moral doentia e promotora do caos social (e sexual) que pretende dominar. Dessa maneira:

A reforma sexual pretende eliminar irregularidades da vida sexual que no final se encontram arraigadas na maneira de existência econômica e encontram expressão nas doenças mentais dos membros da sociedade. Na sociedade autoritária, aumentam, em conexão com os conflitos econômicos e ideológicos, as contradições entre a moral vigente, que é imposta a toda a sociedade pela classe dominante no interesse da preservação e do fortalecimento do seu poder, e as exigências naturais da sexualidade dos indivíduos isolados em determinada época, levando a uma crise insolúvel no contexto da forma social existente.[12]

Segundo Reich, somente os regimes autoritários se sentem ameaçados por suas ideias, pois são promotores de uma moralidade compulsiva, e que procuram destruir a decência espontânea e a autorregulagem das energias vitais (impulsos sexuais). Junto as esses regimes totalitários, trabalham igualmente a Igreja e as instituições acadêmicas que promovem uma educação autoritária, que constitui a base psicológica das massas populares de todas as nações para a aceitação e o estabelecimento da ditadura.[13]

Nesse sentido, Reich descreve a sua visão do que seria a verdadeira democracia:

Entretanto, a verdadeira democracia não é uma condição de “liberdade” que possa ser oferecida, concedida ou garantida a um grupo populacional por um governo eleito ou totalitário. A verdadeira democracia é um processo longo e difícil, no qual o povo, protegido social e legalmente, tem (i.e., não recebe) todas as possibilidades de se exercer a si mesmo na administração da sua conduta social, individual e vital, e de progredir em direção a todas as formas melhores de vida. […] É antes, um processo de luta incessante com os problemas de desenvolvimento ininterrupto de novas ideias, de novas descobertas e de novas formas de vida. O desenvolvimento será contínuo somente quando o antiquado e senil, que desempenhou o seu papel em um estágio anterior do desenvolvimento democrático, for suficientemente lúcido para dar lugar ao jovem e novo em vez de reprimi-lo apelando para a dignidade, ou para a autoridade convencional.[14]

Reich acusa aqueles que divergem de suas ideias de serem promotores de uma fidelidade ou submissão cega, e de tolher a liberdade dos indivíduos. As verdades são para Reich apenas aquelas que se alinham às suas teorias: “Quando as ditaduras forem reduzidas a zero, a sociedade humana precisará de verdades, e justamente de verdades impopulares”.[15] Para Reich, a sua teoria (ou sua verdade) não representa nenhuma ideologia, sendo puramente científica da perspectiva médica e pedagógica.[16] Sendo assim, a liberdade religiosa deve ser considerada uma ditadura quando não caminha de mãos dadas com os conhecimentos científicos dele.[17]

A tradição, conforme o pensamento reichiano, embora importante: “tornar-se a ruína da democracia quando nega à geração mais nova a possibilidade de escolha; quando tenta ditar o que deve ser encarado como ‘bom’ e como ‘mau’ sob novas condições de vida”.[18] Mas, não teriam as gerações mais antigas (e a boa tradição), em razão de suas experiências de vida e maturidade adquirida, o dever de ensinar, e com isso ajudar, orientar e aconselhar as gerações mais jovens em suas escolhas? O bom senso e a Bíblia nos diz que sim (Dt 4.9; 6.1-9; 11.18-25; Sl 78.1-4; 145.4; Pv 22.6; Ef 6.4; 2 Tm 1.3-5; 2.1; 3.10-17).

As ideias de Reich, segundo ele próprio descreve, foram perseguidas num primeiro momento por representantes de partidos políticos de ideologias distintas:

A economia sexual tem sido perseguida pelos representantes de partidos políticos de todas as crenças. As minhas publicações têm sido proibidas pelos comunistas e pelos fascistas; têm sido atacadas e denunciadas pelas autoridades policiais e pelos socialistas e liberais burgueses. Por outro lado, têm encontrado reconhecimento e respeito em todas as camadas e círculos da população. A elucidação da função do orgasmo, particularmente, foi bem recebida pelos grupos científicos-profissionais e político-culturais de todos os tipos.[19]

Como se percebe, a moral judaico-cristã (bíblica) é para Reich uma das causas de toda a sorte de mazelas sociais, culturais, políticas e econômicas. O pensamento do psicanalista destoa radicalmente de Êxodo 20.14; Dt 5.18; Mt 5.27-30; Lc 18.20; Romanos 1.18-32, 1 Coríntios 5.9-13; 6.18-20; 7.8,9, 2 Co 11.2; Ef 4.17-24; 1 Ts 4.1-5; Tg 2.11; 1 Pe 1.13-16; 2 Pe 2.9-15; Ap 21.15, ao mesmo tempo em que se associa (ou fundamenta) às reivindicações atuais do direito à uma prática sexual (ou pansexual) livre de qualquer tipo de tabu, preconceito ou julgamento.

Em seu subjetivismo moral, Reich afirma que: “A lei íntima, e não a lei exterior, é a medida da verdadeira liberdade. O fanatismo moralista é o inimigo mais perigoso da moralidade natural”.[20] Obviamente, Reich desconsiderou o fato bíblico e historicamente comprovado de que a moralidade natural foi corrompida pela Queda, e que a corrupção moral na sociedade e na cultura é uma realidade crescente (Mt 24.12; 2 Ts 2.1-12; 1 Tm 4.1; 2 Tm 3.1-5, 13). A única lei interior absolutamente pura e verdadeira é a lei do Espírito, presente na vida dos crentes onde Ele habita (Rm 8.1-16; Gl 5.16,25), e essa lei está em conformidade com a revelação especial (as Escrituras).

É por estes e outros motivos, que é comum nos dias atuais ouvir alguns defensores da “nova moralidade” ou da “velha perversão sexual reichiana”, afirmarem que a Bíblia precisa ser reescrita ou ressignificada.

Herbert Marcuse (1898-1979), seguidor das ideias de Heich e um dos expoentes da Escola de Frankfurt, em sua aburguesada vida de revolucionário de gabinete nos Estados Unidos, escreveu o livro Eros e Civilização (1955), de inspiração freud-marxista.[21] Nessa obra, como no caso de Reich, Marcuse associa os males sociais à repressão sexual, e essa ao sistema capitalista. Apenas uma revolta (revolução) anticapitalista poderia, sob a bandeira ideológica marxista, libertar o homem para viver plenamente os seus “instintos vitais” reprimidos, ou seja, a livre gratificação das suas necessidades instintivas. O progresso na perspectiva capitalista, segundo Marcuse, implica em repressão sexual, e isso numa relação proporcional, ou seja, mais progresso gera mais repressão.

O que fazer para libertar a humanidade desse sistema de opressão econômica e sexual? Entre outras coisas, Marcuse propõe a mobilização organizada de intelectuais, cientistas, matemáticos, técnicos, psicólogos, formadores de opinião pública, para que de forma estratégica possam promover e preparar o terreno para o começo da reversão política e ideológica, que resultaria numa sociedade socialista.[22]

A massa de manobra para a incubação e proliferação das ideias dos intelectuais revolucionários seriam os jovens, pois a juventude: “está na primeira linha dos que vivem e lutam por Eros contra a Morte e contra uma civilização que se esforça por encurtar o “atalho para a morte”, embora controlando os meios capazes de alongar esse percurso. […] Hoje, a luta pela vida, a luta por Eros, é a luta política”.[23] A verdadeira vida estaria no socialismo e na liberdade sexual que esse traria.

Marcuse, assim como fez Heich, psicologizou a economia e a política, demonizando um sistema ideológico (capitalismo), e santificando (idolatrando) outro (o marxismo/socialismo), onde esse último conduziria à libertação de uma cultura repressiva, e na instauração de uma civilização madura, apoiada numa sociedade livre, numa ressurgência da sexualidade polifórmica pré-genital e num declínio da supremacia genital, onde todo o corpo se converteria num instrumento de prazer. Tal mudança no valor e extensão das relações libidinais conduziria a um desintegração das instituições em que foram organizadas as relações privadas interpessoais, particularmente a família monogâmica e patriarcal. Isso seria possível pela transformação da libido – da sexualidade refreada, sob a supremacia genital, à erotização da personalidade total: “Essa transformação da libido seria o resultado de uma transformação social que autorizou o livre jogo de necessidades e faculdades individuais”.[24] Essa transformação social libertadora implicaria no fim da dominação e repressão capitalista, e na instauração da sociedade ideal (utópica), que seria ideologicamente socialista.

Dessa maneira, Marcuse culpa o capitalismo de obstaculizar o prazer com o fim de que o homem tenha que trabalhar todo o dia para produzir e subsistir e, com isto, focalizar toda a sua libido no trabalho “para lucros dos poderosos”.[25]

Solidário às linhas introdutórias das Diretrizes da Sociedade Alemã para a Proteção das Mães e para a Reforma Sexual, Reich faz a seguinte citação:

A primeira condição para o estabelecimento de relações sexuais e humanas mais sadias é o rompimento incondicional com aqueles pontos de vista de moral que baseiam suas exigências em disposições alegadamente supernaturais, em regulamentos humanos arbitrários, ou simplesmente na tradição. Também o ensino da moral deve basear-se nos descobrimentos da ciência progressista […].[26]

A moral sexual progressista é totalmente oposta à moral sexual judaico-cristã e conservadora, e considera a família tradicional e a igreja como alguns dos seus principais obstáculos e oponentes.


[1] ITURRALDE, Cristián Rodrigo. A Escola de Frankfurt e o início da nova esquerda. Tradução de Thaís Nicolini. Campinas, SP: Vide Editorial, 2022, p. 152-154.

[2] REICH, Wilhelm. A revolução sexual. 4.ed. Tradução de Ary Blaustein. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977, p. 111.

[3] REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. 19.ed. Tradução de Maria da Glória Novak. São Paulo: Editora Brasiliense, 2012, p. 20.

[4] LAJE, Agustin; MARQUEZ, Nicolás. O livro negro da Nova Esquerda. Tradução de Jefferson Bombachim. Curitiba, PR: Livraria Danúbio Editora, 2018, p. 139.

[5] REICH, A revolução sexual, ibid., p. 54.

[6] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 13-18.

[7] REICH, A revolução sexual, ibid., p. 56.

[8] REICH, ibid., p. 58.

[9] REICH, ibid., p. 56.

[10] REICH, ibid., p. 58.

[11] REICH, ibid., p. 58.

[12] REICH, ibid., p. 61.

[13] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 19-20.

[14] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 21-22.

[15] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 23.

[16] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 23.

[17] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 24.

[18] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 22.

[19] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 19.

[20] REICH, A função do orgasmo, ibid., p. 28.

[21] LAJE, Agustin; MARQUEZ, Nicolás. O livro negro da Nova Esquerda. Tradução de Jefferson Bombachim. Curitiba, PR: Livraria Danúbio Editora, 2018, p. 141.

[22] MARCUSE, Hebert. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. 8.ed. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2022, p. xxi.

[23] MARCUSE, ibid., p xxi.

[24] MARCUSE, ibid., p. 151-154.

[25] LAJE; MARQUEZ, ibid., p. 141.

[26] REICH, A revolução sexual, ibid., p. 85.

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