Após a sua exposição acerca da liturgia da palavra ao longo da história da Igreja, e com ênfase na centralidade das Escrituras e importância da pregação, White conclui que: “Não é só Deus que fala a nós por meio de leituras e sermão, mas nós também falamos a Deus. Isso ocorre por meio de oração, salmos, cânticos e hinos. […] Deus fala a nós, nós nos dirigimos a Deus e falamos uns com os outros. Todas estas são partes vitais do culto na liturgia da palavra”.[1]

Somos edificados no culto através dos cânticos, da exposição da Bíblia e dos dons espirituais (1 Co 14.26; Ef 5.19; Cl 3.16), através dos quais o Senhor fala também conosco. Enquanto a Reforma fortaleceu o lugar da pregação no culto (mantendo excluídas as manifestações dos dons espirituais classificados como extraordinários), e mais especificamente na língua vernácula, o Pentecostalismo cooperou para a restauração dos dons espirituais (1 Co 14.1-40). O Pentecostalismo Clássico reconhece a importância da leitura das Escrituras, da pregação, das orações, do ofertório, da música e dos dons espirituais no culto.

Em algumas igrejas pentecostais (e por diversos fatores, tais como a má administração do culto, o grande número de grupos musicais, o descaso para com a exposição das Escrituras, etc.), o tempo destinado para os cânticos tem superado o tempo da pregação. É preciso, nesses casos, buscar o equilíbrio. Por exemplo, dividir o tempo em partes iguais para a música e para a exposição bíblica nos cultos dominicais, seria uma atitude bastante coerente por parte dos dirigentes dos mesmos.

O Novo Testamento não normatiza o tempo da oração, da música e da pregação no culto cristão (nem o tempo do próprio culto), cabendo aos celebrantes e ministros de cada tradição cristã buscar o equilíbrio e a coerência devida na administração e distribuição desses. Obviamente, em razão da criação de cultos diários ou semanais mais voltados para o ensino, oração, etc., dentro dessas especificidades haverá um elemento do culto que poderá ocupar mais tempo que os demais.

Em vez de se discutir (e até dogmatizar) sobre qual é o elemento mais importante do culto, deveríamos estar considerando, antes de tudo, a pessoa mais importante do culto, que é Deus. Durante todo o culto, do começo ao fim do mesmo, é necessário termos uma atitude reverente e solene, quer seja diante das orações, dos cânticos de louvor e adoração, da música instrumental orquestrada ou solos, no momento do ofertório, ou por ocasião da pregação e do ensino das Sagradas Escrituras:

A voz do Senhor faz parir as cervas e desnuda as brenhas. E no seu templo cada um diz: Glória! (Sl 29.9)

No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo. Os serafins estavam acima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, e com duas cobriam os pés, e com duas voavam. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. (Is 6.1-3)

Mas o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra. (Hc 2.20)

E olhei e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais, e dos anciãos; e era o número deles milhões de milhões e milhares de milhares, que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças. E ouvi a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre. E os quatro animais diziam: Amém! E os vinte e quatro anciãos prostraram-se e adoraram ao que vive para todo o sempre. (Ap 5.11-14)

A primazia e a centralidade no culto está no próprio Deus, e não em um elemento específico:

Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém. (Rm 11.36)

Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus. (1 Co 10.31)

A Declaração de Fé das Assembleias de Deus declara nesse sentido, que:

A adoração pública é a atividade de glorificar a Deus em coletividade e serve também para comunhão, despertamento, exortação e edificação da Igreja. […] Portanto, confessamos que, na adoração pública, a oração, os cânticos, o ofertório, a pregação e o exercício dos dons espirituais na Igreja servem “para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre. Amém! (1 Pe 4.11).[2]

Perceba, que no texto da Declaração de Fé das Assembleias de Deus a adoração pública (culto) é definida como “a atividade de glorificar a Deus”, seguida de outras atribuições (comunhão, despertamento, exortação e edificação da Igreja), e que Deus é glorificado igualmente através de todos os elementos presentes (a oração, os cânticos, o ofertório, a pregação e o exercício dos dons espirituais). E ainda: “Entendemos que a adoração está incompleta na falta de pelo menos um desses elementos, exceto se as circunstâncias forem desfavoráveis ou contrárias”.[3] Não há, na Declaração de Fé, uma sobreposição hierárquica entre os elementos do culto, mas apenas uma descrição geral da importância de cada um eles.

Embora Lutero tenha afirmado que “o elemento mais importante do culto é a pregação e o ensino da Palavra de Deus”,[4] investindo o sermão de “uma qualidade quase sacramental, tornando-o o núcleo da liturgia”,[5] a Confissão de Fé de Westminster declara que:

A leitura das Escritura, com santo e piedoso temor; a sã pregação e o consciencioso ouvir da Palavra, em obediência a Deus, com entendimento, fé e reverência; o cântico de salmos com graça no coração; e bem assim a devida administração e o digno recebimento dos sacramentos instituído por Cristo – são todos (grifo nosso) partes do culto religioso ordinário oferecido a Deus […].[6]

Sobre isso, comenta Schwertley: “A Confissão de Fé de Westminster não particulariza os elementos de culto em categorias maiores, antes, define-os todos bem distintamente como partes ordinárias do culto religioso”.[7]

Calvino, que não foi dogmático no estabelecimento da ordem do culto, entendeu que: “A Palavra de Deus será sempre o elemento aferidor de toda a nossa liberdade.”[8] Ele estabeleceu como elementos essenciais do culto, a Palavra, a oferta, a Ceia e a oração:[9]

Lucas conta nos Atos que o costume da Igreja apostólica era como o expusemos, assegurando que os fiéis “perseveravam na doutrina dos apóstolos, na comunhão uns com os outros, no repartir do pão e nas orações” (At 2.42). Assim se deveria fazer sempre; a congregação da Igreja nunca deveria se reunir sem a Palavra, sem esmola, sem a participação na Ceia e na oração.[10]

A centralidade das Escrituras no culto, não é a mesma coisa que a centralidade da pregação.A primazia ou centralidade das Escrituras no culto e em nossa vida, precisa ser entendida pelo fato da Bíblia ser a nossa única regra de fé e prática infalível.

Segundo A. A. Hodge, em seu comentário sobre a Confissão de Fé de Westminster, para ser aceito por Deus, o culto deve ser: “[…] acompanhado e fundamentado na verdade pura indulterável da Palavra de Deus”.[11] As Escrituras devem nortear e fundamentar todos os elementos do culto. Devemos pregar, orar, cantar, ofertar, falar em línguas, interpretar, profetizar, etc., segundo a Palavra.


[1] WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. 2. ed. Tradução de Walter Schlupp. São Leopoldo: Sinodal, 2005, p. 125,126.

[2] SOARES, Esequias (O.). Declaração de Fé das Assembleias de Deus. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p. 144.

[3] Ibid., p. 145.

[4] LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: vida em comunidade. V. 7. 2. ed. Tradução de Arnaldo Schüler, Ilson Kayser e Walter O. Schlupp. São Leopoldo, RS: Editora Sinodal; Porto Alegre, RS: Editora Concórdia; Canoas, RS: Editora da ULBRA, 2016, p. 182.

[5] GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. Tradução de Gérson Dudus e Valéria Fontana. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 91,92.

[6] Confissão de Fé de Westminster: comentada por A. A. Hodge. 4. ed. Tradução de Valter Graciano Martins. São Paulo: Editora os Puritanos, 2013, p. 377.

[7] SCHWERTLEY, Brian M. Sola Scriptura: e o princípio regulador do culto. Tradução de Marcos Vasconcelos. São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 95

[8] COSTA, Hermisten Maia Pereira da. João Calvino 500 anos: Introdução ao seu pensamento e obra. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 290,291.

[9] Ibid., p. 294.

[10] CALVINO, João. A Instituição da Religião Cristã. Tomo 2. Livros III e IV. Edição integral de 1959. Tradução de Elaine C. Sartorelli e Omayr J. de Moraes Jr. São Paulo: Editora UNESPE, 2009, p. 118.

[11] Confissão de Fé de Westminster, ibid., p. 378.

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