Ancião, do hebraico zaquen e do grego presbýteros, era um título de dignidade atribuído a homens de experiência e idade madura, que tomavam parte na administração de questões públicas.[1] Após o século XVIII a.C., os anciãos são citados nos textos da Mesopotâmia como representantes do povo e defensores de seus direitos, mas sem função administrativa. No Antigo Testamento encontramos menções de anciãos em diversos povos: Egito (Gn 50.7; Sl 105.22), Midiã (Nm 22.4, 7), Moabe (Nm 22.7), Gibeon (Js 9.11) e Gebal (Ez 27.9).[2]

Os Anciãos no Antigo Testamento

Entre os israelitas havia dois tipos de anciãos: os “anciãos de Israel” que eram os chefes de família ou de clãs nas várias tribos, e os “anciãos” das cidades construídas e habitadas após a Conquista.[3]

Os anciãos de Israel aparecem primeiramente em Êxodo 3.16-18, onde Deus ordena que Moisés os ajunte, para dizer-lhes que: “O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, me apareceu dizendo: Certamente vos tenho visitado e visto o que vos é feito no Egito. Portanto, eu disse: Far-vos-ei subir da aflição do Egito à terra do cananeu, e do heteu, e do amorreu, e do ferezeu, e do heveu, e do jebuseu, a uma terra que mana leite e mel. E ouvirão a tua voz; e irás; tu e os anciãos de Israel, ao rei do Egito, e dir-lhe-eis: O Senhor. O Deus dos hebreus, nos encontrou; agora, pois deixa-nos ir caminho de três dias para o deserto, para que sacrifiquemos ao Senhor, nosso Deus”. Em Êxodo 19.7 Moisés expõe diante dos anciãos as palavras ordenadas pelo Senhor. Em Êxodo 24.1,9 e14, setenta dos anciãos de Israel são convocados por Deus para juntamente com Moisés, Arão, Nadabe e Abiú estarem diante dele. Os anciãos deveriam manter uma certa distância do local onde Deus falaria com Moisés. Em Números 11.16-25 Deus designa que se reúna diante da tenda da congregação setenta homens dos anciãos de Israel, representantes do povo e seus oficiais, sobre os quais o Senhor iria por sobre eles do Espírito que estava sobre Moisés, para que o ajudassem. Após o episódio (Êx 11.25), Moisés se recolheu ao arraial com os anciãos (Êx 11.30).

Em casos de pecados comunitários, os anciãos da congregação de Israel representariam a comunidade no processo de expiação dos pecados, pondo as mãos sobre a cabeça do novilho oferecido, e trazido diante da tenda da congregação (Lv 4.13-21).

Aos prescrever as atribuições dos anciãos das cidades quando a terra fosse conquistada, lemos em Deuteronômio que os mesmos desempenhariam funções judiciais (Dt 19.11,12), cerimoniais (Dt 21.1-7) e resolução de litígios matrimoniais (Dt 22.13-21; 25.7-10).

Na continuidade da história de Israel no Antigo Testamento, lemos que os anciãos:

– Na condição de representantes (voz) do povo exigiram que Samuel designasse um rei (1 Sm 8.4-9);

– Fizeram aliança com Davi e o ungiram rei sobre Israel em Hebrom (2 Sm 5.1-3);

– Tinham a sua posição e influência reconhecida pelos reis (1 Rs 8.1-3; 20.7,8; 2 Rs 10.1-3; 19.1-3);

– Participavam juntamente com o rei de decisões e mobilizações importantes (2 Rs 23.1,2);

– Tinham um papel central na comunidade judaica exilada na Babilônia (Jr 29.1; Ez 8.1; 14.1-5; 20.1-5);

– Após o exílio, sem a presença de um rei, a reorganização da nação incluiu a antiga composição em famílias, procedentes da divisão do povo em tribos, tendo os anciãos assumido a representação do povo. Os chefes de famílias, os “anciãos dos judeus” aparecem como representantes do povo com os quais o governador persa discute (Ed 5.9-16) e que, unidos ao “governador dos judeus”, dirigem a reconstrução do Templo (Ed 5.5,9; 6.7,7,8,14,15), e participam de outras ações necessárias (Ed 10.8, 14).[4]

Os Anciãos de Israel no Novo Testamento

Encontramos no Novo Testamento, e mais especificamente nos evangelhos, uma quantidade substancial de passagens onde os anciãos são citados, assim como a relação deles com o Grande Sinédrio, a mais elevada instituição dos “anciãos de Israel”,[5] e com as sinagogas.

O Sinédrio era formado por 70 ou 71 membros, e era composto por três grupos: os sumos sacerdotes; os anciãos ou presbíteros e os letrados ou escribas, entendidos nas questões da religião e da Lei judaica.[6] O termo synedrion era frequentemente usado na literatura helenística e rabínica no sentido de uma assembleia, conselho ou tribunal.[7] Ele tem a sua origem nos conselhos dos anciãos de que o sumo sacerdote se cercou, desde o tempo da dominação persa. Sua existência é remontada às vezes até o ano 200 a.C.[8]

Os anciãos eram os chefes das famílias leigas (não sacerdotais) mais influentes, representando a “nobreza leiga” do povo no conselho supremo.[9] Eram chamados também de “as autoridades da cidade”, “os chefes do povo”, “os notáveis”, “os poderosos”, “os grandes da geração”, “os grandes de Jerusalém” e “as pessoas de Jerusalém de alto nível”.[10] No Grande Sinédrio, o grupo dos anciãos compunha-se de chefes das famílias patrícias de Jerusalém”.[11] Toda cidade importante tinha uma corte local com 23 anciãos. As questões que estavam além das suas competências eram remetidas para o Grande Sinédrio, que se reunia em Jerusalém, na câmara da pedra talhada, nas proximidades da extremidade sudoeste da área do Templo.[12]

As sinagogas foram criadas, ao que tudo indica, durante o exílio na Babilônia, como um espaço substituto da adoração no Templo, sendo Esdras quem a introduziu na Palestina após o retorno do cativeiro. A exigência básica para a organização de uma sinagoga era que houvesse pelo menos dez homens.[13] Cada vila tinha a sua própria sinagoga e cada cidade possuía várias.[14] No tempo do ministério de Jesus o objetivo principal das sinagogas era instruir o povo na Lei através de ensinamentos e explicações. Fora dos sábados, a sinagoga funcionava como escola para as crianças.[15] As reuniões e atividades da sinagoga ficavam sob a direção de um conselho de dez anciãos, que elegiam o “administrador ou principal da sinagoga” (Mc 5.22; Lc 8.49; 13.14; At 13.15; 18.8,17). O presidente e o conselho decidiam quanto à admissão de prosélitos, cuidavam da administração financeira da comunidade, nomeavam os juízes locais e professores e arbitravam no caso de conflitos entre os membros da congregação.[16]

Nos evangelhos e em Atos os anciãos dos judeus são citados cerca de trinta e duas vezes.[17]

Os Anciãos da Igreja

A igreja primitiva adotou o modelo estrutural de liderança israelita que havia em cidades e vilarejos, ainda vigentes no período,[18] e da administração das sinagogas, estabelecendo em seu governo os anciãos, presbíteros ou bispos (termos sinônimos).[19]  

O termo hebraico zaquen (ancião) equivalia ao termo homérico gerontes, ao espartano presby, ao romano senatus e ao árabe sheikh.[20] No mundo grego um episkopos (bispo) poderia ser um oficial de estado, um oficial da sociedade local (como os que supervisionavam o auxílio aos pobres da cidade), ou aqueles que supervisionavam projetos de construção e possivelmente controlavam o dinheiro designado para o trabalho.[21] As atribuições dos anciãos (presbýteros) judeus e dos bispos (episkopos) gregos eram bastantes semelhantes, o que justifica o uso intercambiável dos termos para ser referir ao corpo governante que nas igrejas foram instituídos pelos apóstolos.

Em Atos 11.30 os anciãos da igreja de Jerusalém são citados pela primeira vez, sendo na ocasião os destinatários da oferta que os discípulos da igreja em Antioquia enviara para atender as necessidades dos irmãos em Cristo que habitavam na Judeia (At 11.27-29). Não temos a informação dos detalhes sobre a instituição dos anciãos (presbíteros) na igreja em Jerusalém, mas o fato é que, assim como nas sinagogas, os mesmos estavam numa posição honrosa de governo e tomada de decisão ao lado dos apóstolos (At 15.2,4,6,22,23; 16.4; 21.17,18).

Uma das atividades do apóstolo Paulo em suas viagens missionárias foi a de promover eleições em cada igreja para a escolha dos seus anciãos, o que era feito com oração e jejuns (At 14.23). A linguagem do texto implica que eles eram “escolhidos a dedo” (cheirotonēsantes), provavelmente sendo levado em consideração a estabilidade na fé e o nível de maturidade espiritual. O termo “eleito” (ARC) pode significar tanto escolhido pelo voto (cheirotonētheis, 2 Co 8.19) como por indicação individual (prokecheirotonēmenois, At 10.41).[22] Os anciãos (presbíteros ou bispos) eram antes de tudo constituídos pelo próprio Espírito Santo para apascentar a igreja de Deus (At 20.28). O uso sinônimo dos termos presbíteros e bispos é claramente evidenciado em Atos 20.17,28 e em Tito 1.5-9.[23] O apóstolo Pedro, escrevendo aos crentes no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, se inclui entre os presbíteros das igrejas (1 Pe 5.1-4). O apóstolo João também usa o termo “presbítero” em referência a si mesmo (2 Jo 1; 3 Jo 1).

Os pré-requisitos para compor o corpo governante da igreja na condição de presbítero ou bispo, foram posteriormente especificados por Paulo em 1 Timóteo 3.1-7 e em Tito 1.5-9. Pedro alerta para o fato de que os presbíteros deveriam apascentar o rebanho de Deus com voluntariedade, boa vontade e servindo de bom exemplo (1 Pe 5.1-4).

Os presbíteros que governavam bem deveriam receber duplicada honra (ou honorários), principalmente os que trabalhavam na pregação e ensino da palavra (1 Tm 5.17). Acusações contra os presbíteros só deveriam ser aceitas com duas ou três testemunhas (1 Tm 5.19). Os presbíteros que pecassem deveriam ser repreendidos na presença de todos, para que tal fato produzisse temor (1 Tm 5.20). Visitar e ungir os doentes com azeite fazia parte das atividades dos presbíteros (Tg 5.14).

Os Anciãos no Livro de Apocalipse

A posição de honra dos anciãos é ratificada no livro de Apocalipse, onde vinte e quatro aparecem assentados sobre vinte e quatro tronos ao redor do trono de Deus, vestidos de vestes brancas, tendo sobre a cabeça coroas de ouro, e adorando ao Senhor (Ap 4.2-4, 10,11). Os vinte e quatro anciãos são citados ainda em Apocalipse 5.5,6,8,11,14; 7.11,13; 11.16; 14.3 e 19.4. Alguns acreditam que os vinte e quatro anciãos em Apocalipse representam a totalidade da igreja no céu, outros compreendem que podem ser anjos governantes, e ainda há os que creem que representam Israel e a Igreja, juntos em adoração a Deus e ao Cordeiro.[24]

Que cada vocacionado para o ministério de ancião, presbítero ou bispo (pastores) na igreja possa compreender a dimensão da graça, misericórdia e soberania de Deus que o envolve a chamada, lembrando sempre que a medida da honra da posição implica proporcionalmente em grande responsabilidade.

Vivamos em sinceridade, humildade e dignidade, para que na volta do Senhor Jesus alcancemos a incorruptível coroa de glória (1 Pe 5.4).


[1] ROBISON, Edward. Léxico grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 773.

[2] PFEIFFER, Charles F.; VOS, Howard F.; REA, John. Dicionário bíblico Wycliffe. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 100, 101.

[3] Ibid., p. 100.

[4] JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no tempo de Jesus. Santo André, SP: Academia Cristã/Paulus, 2010, p. 303,304.

[5] PFEIFFER; VOS, REA, ibid., p. 101.

[6] MATEOS, J.; CAMACHO, F. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 18.

[7] PFEIFFER; VOS, REA, ibid., p. 1830.

[8] MORIN, E. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1988, p. 103.

[9] JEREMIAS, ibid., p. 304.

[10] Ibid., p. 304-306.

[11] Ibid., p. 308.

[12] PFEIFFER; VOS, REA, ibid., p. 1830,1831.

[13] COLEMAN, William. Manual dos tempos e costumes bíblicos. Venda Nova, MG: Editora Betânia, 1991, p. 256.

[14] DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 240.

[15] MATEOS; CAMACHO, ibid., p. 24.

[16] DANIEL-ROPS, p. 241.

[17] Concordância Fiel do Novo Testamento. V. 2. São José dos Campos, SP, 1997, p. 33.

[18] KEENER, Craig S. Comentário histórico-cultural da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 422.

[19] DANIEL-ROPS, p. 241.

[20] PFEIFFER; VOS, REA, ibid., p. 101.

[21] Ibid., p. 317.

[22] TENNEY, Merril C. Tempos do Novo Testamento: entendendo o mundo do primeiro século: Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 255.

[23] GERMANO, Altair. Dons e ofícios ministeriais. Joinville, SC: Editora Santorini, 2019, p. 65-74.

[24] STAMPS, Donald C. (E.). Bíblia de estudo pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 1988.

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