No final do século XIX, exatamente quando os críticos textuais Brooke F. Westcott e Fenton J. A. Hort publicam na Inglaterra o texto crítico The New Testament in the Original Greek (1881), baseados principalmente no Códice Vaticano (um problemático manuscrito alexandrino com milhares de palavras do Novo Testamento omitidas e de origem e procedências desconhecidas)[1], e que ainda hoje exerce influência sobre a crítica textual  moderna, irrompe na América do Norte um movimento contrário à doutrina da inerrância ilimitada da Bíblia, o que gerou o debate entre Charles A. Briggs, que negou a inerrância, e B. B. Warfield e A. A. Hodge, que afirmavam a inerrância das Escrituras. Diante da evolução e adesão de alguns seminários às ideias anti-inerrância, que se tornaram mais agressivas na década de 70, um grupo de evangélicos eruditos e ortodoxos criaram em fevereiro de 1977, o International Council on Biblical Inerrancy – ICBI (Conselho Internacional sobre a Inerrância Bíblica), que produziu o documento “A Declaração de Chicago” sobre a inerrância bíblica.[2]

Em seus artigos XIII, XV, XVI e XIX, lemos na Declaração de Chicago[3]: “Afirmamos a propriedade do uso de inerrância como um termo teológico referente à total veracidade das Escrituras. […] Afirmamos que a doutrina da inerrância está alicerçada no ensino da Bíblia acerca da inspiração. […] Afirmamos que a doutrina da inerrância tem sido parte integrante da fé da Igreja ao longo de sua história. […] Afirmamos que uma confissão da autoridade, infalibilidade e inerrância plenas das Escrituras é vital para uma correta compreensão da totalidade da fé cristã. Afirmamos ainda mais que tal confissão deve conduzir a uma conformidade cada vez maior à imagem de Cristo. Negamos que tal confissão seja necessária para a salvação. Contudo, negamos ainda mais que se possa rejeitar a inerrância sem graves consequências, quer para o indivíduo quer para a Igreja.”[4]

Um claro exemplo do descaso (ou negação) para com a doutrina da inerrância ilimitada da Bíblia, presente em O Novo Testamento Grego das Sociedades Bíblicas Unidas (base da tradução das novas versões bíblicas), acontece em Mateus 1.7,8,10, onde seguindo os problemáticos códices Sinaítico e Vaticano, os editores colocam Asafe (2% dos MSS) na genealogia de Jesus em lugar de Asa (98% dos MSS). Coloca Amós (2% dos MSS) na genealogia de Jesus em lugar de Amon/Ammon (98% dos MSS). Os tradutores e editores das novas versões bíblicas escondem essas dificuldades presentes no texto grego que utilizam.

A justificativa que os editores de O Novo Testamento Grego (SBU/SBB) deram para manter os problemas textuais em Mateus 1.7,8,10 foi que: “[…] já que o evangelista pode ter derivado material para a genealogia, não diretamente do AT, mas das subsequentes listas genealógicas, onde ocorria a soletragem errada, a comissão não viu razão para adotar o que parece ser uma emenda escribal”[5], ou seja, o evangelista Mateus pode ter cometido erros nesses versículos, e por estarem supostamente presentes no texto original (e nos problemáticos Códices Sinaítico e Vaticano), eles decidiram mantê-los. Para esses editores, alguns copistas corrigiram esses supostos erros de Mateus nas cópias (emenda escribal). O presente erro foi escondido pelos tradutores e editores das novas versões bíblicas.

Outros problemas não foram encobertos, como é o caso de Lucas 4.44, onde lemos nas novas versões “Judeia” (4% dos MSS) em lugar de “Galileia” (96% dos MSS). Ver as passagens paralelas de Mateus 4.23 e Marcos 1.39. A NAA reproduz esse erro, e os editores de O Novo Testamento Grego alegam que a forma Ἰουδαίας (Judeia) é a mais difícil, e por razões metodológicas adotaram essa forma errada, alegando mais uma vez que os copistas corrigiram-na para Γαλιλαίᾳς (Galileia). Mais uma vez o erro é colocado na conta dos autores bíblicos e dos originais.

Para os defensores da essencialidade da doutrina da inerrância bíblica ilimitada: “[…] a inerrância não é um teste de autenticidade evangélica, mas um teste de consistência evangélica. Ou seja, não se pode ser um evangélico e negar a inerrância. Pois é inconsistente sustentar que a Bíblia é a Palavra de Deus, mas não inerrante.”[6]

Para concluir, observem a declaração explícita dos pressupostos de alguns críticos textuais modernos, presentes na elaboração/edição de O Novo Testamento Grego (SBU/SBB), base da tradução do Novo Testamento das novas versões bíblicas: “A crítica textual não se preocupa com a inspiração do Novo Testamento e não trata da questão se os textos originais continham erros de conteúdo ou não”.[7]

É com base nessa postura supostamente científica e objetiva, onde a Bíblia é tratada como qualquer outro livro, que o Novo Testamento das novas versões bíblicas omite milhares de palavras (e até versículos inteiros), além de apresentar outras dificuldades textuais.

As novas versões bíblicas (ARA, NAA, NVI, NVT, etc.), que rejeitam o testemunho majoritário do texto bizantino (base do Novo Testamento das versões antigas e tradicionais ACF, King James 1611 e ARC), reproduzem em seu Novo Testamento o descaso (ou negação) para com as doutrinas da inspiração e inerrância das Escrituras.

Francis A. Schaeffer (1912-1984) acertou, quando previu que o debate evangélico nos próximos e muitos anos seria a Escritura, onde estaria em jogo se o evangelicalismo permaneceria evangélico.[8]


[1] ALAND, Kurt; ALAND, Barbara. O texto do Novo Testamento: introdução às edições científicas do Novo Testamento Grego bem como à teoria e prática da moderna crítica textual. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013, 117.

[2] GEISLER, Norman L.; ROACH, William C. A inerrância das Escrituras: confirmando a exatidão das Escrituras para uma nova geração. Guarulhos, SP: Editora Vida, 2022, p. 23-31.

[3] Esta foi a Declaração que deu origem ao Concílio Internacional sobre Inerrância Bíblica (ICBI – International Council on Biblical Inerrancy), um esforço comum inter-denominacional de centenas de eruditos e líderes evangélicos para defender a inerrância bíblica contra os conceitos da Escritura de tendência liberal e neo-ortodoxa. A Declaração foi produzida Hyatt Regency O’Hare, em Chicago, no verão de 1978, durante uma conferência internacional suprema de líderes evangélicos interessados. Ela foi assinada por aproximadamente 300 eruditos evangélicos famosos, incluindo Boice, Norman L. Geisler, John Gerstner, Carl F. H. Henry, Kenneth Kantzer, Harold Lindsell, John Warwick Montgomery, Roger Nicole, J.I. Packer, Robert Preus, Earl Radmacher, Francis Schaeffer, R.C. Sproul e John Wenham. (Disponível em https://www.monergismo.com/textos/credos/declaracao_chicago.htm. Acesso em 7/8/2025.)

[4] Declaração de Chicago sobre a inerrância da Bíblia. Disponível em https://www.monergismo.com/textos/credos/declaracao_chicago.htm. Acesso em 7/8/2025.

[5] METZGER, Bruce M. Un comentário textual al Nuevo Testamento griego. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft/German Bible Society, 2006, p. 1,2.

[6] GEISLER; ROACH, ibid., p. 422,423.

[7] OMANSON, Roger L. Variantes textuais do Novo Testamento: análise e avaliação do aparato crítico de “O Novo Testamento Grego”. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010, p. xi.

[8] SCHAEFFER, Francis A. Nenhum conflito final: a Bíblia sem erro em tudo o que ela afirma.2. ed.  Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, p. 5, Edição do Kindle.

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