A sã doutrina diz respeito às verdades bíblicas que edificam, alimentam, nutrem, fortalecem e produzem saúde à Igreja. A expressão grega para sã doutrina é ὑγιαινούση διδασκαλία (hygiainousē didaskalia), que significa “ensino saudável”. Um ensino saudável é aquele que possui um conteúdo saudável.
Ao estudarmos a importância da são doutrina, é de fundamental importância abordarmos a questão que envolve as suas funções, que podem ser classificadas em:
– Função pedagógica ou edificadora: A sã doutrina é o conteúdo por excelência do ensino cristão. A Bíblia, de onde provém a sã doutrina, é a inspirada, inerrante e infalível palavra de Deus (Rm 6.17; Ef 4.11-14; 1 Tm 4.6,11; 2 Tm 3.16,17; Tt 2.1). A sã doutrina fortalece as nossas convicções em questões de fé. Quanto mais compreensão doutrinária, mais convicção na fé que uma vez nos foi dada. A sã doutrina, quando não negligenciada, proporciona crescimento espiritual no tempo certo e com equilíbrio (Hb 5.11-14).
– Função diretiva ou reguladora: A sã doutrina fundamenta e rege a prática cristã pessoal e congregacional (oração, pregação, ensino, ordenanças, culto, dons, evangelização etc.). A sã doutrina não deve ser apenas crida, mas encarnada e praticada. Um entendimento claro da sã doutrina resultará em ações corretas que em tudo promovem a glória de Deus (1 Co 10.31). Doutrina autêntica resulta em vida cristã autêntica. A sã doutrina contribui para a santidade de vida (Jo 17.17-19). Quando considerada, a sã doutrina molda a nossa maneira de pensar e agir (Fp 4.8,9). A doutrina da volta de Jesus, por exemplo, deveria nos levar a viver de acordo com tal expectativa (1 Pe 1.13-19; 4.7-11; 5.1-4; 2 Pe 3.1-18).
– Função relacional ou afetiva: A sã doutrina fortalece e faz crescer o nosso amor e relacionamento com Deus, pois no leva a conhecê-lo mais e melhor (Dt 6.4-7). O conhecimento da sã doutrina não se trata apenas de uma questão cognitiva (crescer no saber), visto que ela coopera também para uma melhor relação afetiva com Deus (Mt 22.37,38; Mc 12.28-30; Rm 8.28; 1 Co 2.9; 8.3; 1 Jo 4.19) e com o próximo (Lv 19.18; Mt 22.39; Mc 12.31; 1 Jo 4.20,21; 5.1-3). A própria doutrina deve ser amada (Sl 119.97,127,140,163,167; Ef 4.15; 2 Ts 2.10).
– Função identitária ou demarcadora : Identidade pode ser definido como um conjunto de atributos ou características que nos distingue uns dos outros. Não ter identidade é não ser. A sã doutrina define a identidade das comunidades da fé cristã como entidades distintas de outras religiões, e distintas entre si em razão de algumas peculiaridades doutrinárias (arminianos e calvinistas, continuacionistas e cessacionistas, episcopais, presbiterianos e congregacionais, pré-milenistas, amilenistas e pós-milenistas etc.). A nossa doutrina identifica quem somos com base no que cremos e professamos (At 5.27,28; 17.19). A identidade de uma tradição ou denominação cristã é percebida principalmente por sua doutrina. Quando se fala de identidade assembleiana, por exemplo, está se falando principalmente daquilo que nos identifica como denominação cristã, evangélica e pentecostal, em termos de algumas distinções doutrinárias (e. g. batismo no Espírito Santo como experiência distinta da regeneração e com a evidência física inicial de falar em outras línguas, a crença na contemporaneidade de todos os dons espirituais, o modelo de governo eclesiástico, a forma de liturgia dos cultos etc.). O afastamento das nossas crenças doutrinárias produzirá uma crise de identidade denominacional, onde cada vez mais ficará difícil nos autodefinirmos e sermos distinguidos de outros grupos (ou denominações) evangélicos e pentecostais. O extremo de tal condição é a perda total da identidade denominacional (fusão interdenominacional), ou a multiplicação de “identidades assembleianas” (confusão intradenominacional). A questão identitária não se relaciona com uma postura sectarista ou exclusivista, visto que o fato de ser distinto do outro não significa necessariamente desconsiderar todos os outros como irmãos em Cristo, apenas por terem as suas próprias características identitárias.
– Função confessional ou conservadora: A sã doutrina exposta em Credos, Confissões e Declarações de Fé supre a necessidade de um documento eclesial que a identifica sistematicamente e oficialmente. Crenças firmes e bem definidas produzem convicções firmes e bem definidas que precisam ser conservadas (1 Tm 4.16; 2 Tm 1.13; 3.10-14; Tt 2.7,8). As formulações doutrinárias (Credos ou Símbolos) ganharam importância no período patrístico, se tornando um meio pelo qual as credenciais de uma comunidade que se dizia cristã pudessem ser validadas.[1] Os principais Credos deste período foram: o Credo dos Apóstolos (séc. II), o Credo Niceno (325) e o Credo de Constantinopla (381). No final do século XVI, em razão da Reforma Protestante, e como critério de demarcação entre protestante e católicos, surgiram as confissões de fé, com as suas formulações doutrinárias explícitas e abrangentes.[2] Destacamos aqui as seguintes Confissões de Fé: a Confissão Luterana de Augsburgo (1530), a Confissão Batista (1644) e a Confissão de Fé de Westminister (1648). No contexto pentecostal, e mais especificamente assembleiano, foram elaborados documentos confessionais, onde destacamos: a Declaração de Verdades (do Concílio Geral das Assembleias de Deus no EUA ,1916) e a Declaração de Fé das Assembleias de Deus (da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, 2017). A doutrina se reveste de valor tradicional, pois transmite as preciosas possessões do povo de Deus para as gerações futuras (Dt 6.1-2; 2 Tm 1.5; 2.1,2).[3]
– Função apologética
ou defensora: A sã doutrina possibilita o combate ao erro ou desvios
(heresias), pois pressupõe o conhecimento da verdade doutrinária ou da
ortodoxia (1 Tm 1.3; 4.1,2; 6.3-5; 2 Tm 4.1-4; Tt 1.9-11; 3.10,11). No Novo
Testamento, a igreja teve que combater os ataques de fora e os desvios de
dentro (Jd 3). Os falsos mestres tentavam disseminar na igreja o gnosticismo,
uma mistura de fé cristã e filosofia secular, que considerava a matéria maligna
e negavam a encarnação real e a ressurreição corporal do Filho de Deus (1 Jo
2.22; 4.1-3), e o legalismo, uma mistura de fé cristã e judaísmo, que exigia
dos cristão a observação de cerimônias e ritos judaicos para fins de salvação
(At 15.1,2; 1 Co 7.17-20;Gl 2.1-14; 5.6). Ao longo da história da igreja muitos
desvios doutrinários surgiram. Atualmente, considerando ainda os fundamentos
doutrinários pentecostais e assembleianos, há tentativas de disseminar no seio
das Assembleias de Deus no Brasil a doutrina calvinista da predestinação, o
progressismos evangélico (ideologização pós-marxista da fé), o ecumenismo
(aproximação/união/fusão de todas as tradições cristã) e o sincretismo
religioso (aproximação/união/fusão) de todas as religiões). A soteriologia
calvinista se difunde principalmente através das redes sociais (Facebook,
YouTube etc.), enquanto o progressismo evangélico, o ecumenismo e o sincretismo
religioso, de forma estratégica e sorrateira, são propagados através de grupos
de estudos acadêmicos e ecumênicos, compostos principalmente por evangélicos
pentecostais e católicos romanos, e em diversas faculdades de teologia
credenciadas pelo Ministério da Educação, com o objetivo de formar uma nova
mentalidade e postura religiosa (denominadas de tolerante e inclusiva) nas
novas gerações de crentes e obreiros pentecostais no Brasil. Quem quer que seja
contrário e combata abertamente contra estas novas tendências é geralmente
chamado de sectário, fundamentalista e ultraortodoxo, e está passivo de ser
perseguido e sofrer represálias por parte daqueles (de dentro e de fora da
denominação) que simpatizam com tais ideias.
[1]MACGRATH, Alister E. A gênese da doutrina: fundamentos da crítica doutrinária. Tradução de A. G. Mendes. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 58.
[2] Ibid., p. 63.
[3]BERKHOF, Louis. A história das doutrinas cristãs. Tradução de João Marques Bentes e Gordon Chown. São Paulo: PES, 1992, p. 20.
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