A educação de Paulo ocorreu principalmente em Jerusalém, aos pés de Gamaliel. Tanto nas tradições rabínicas como no Novo Testamento Gamaliel é identificado como membro do Sinédrio (At 5.34). Alguns afirmam que foi sucessor de Hillel (provavelmente filho ou neto), embora as tradições mais antigas não se alinhem com esse pensamento.[1]
Paulo, que nasceu em Tarso, principal cidade da Cilícia, foi levado por seus pais para estudar em Jerusalém, provavelmente quando era ainda um adolescente, para dar sequência aos seus estudos judaicos no nível avançado, visto que na sinagoga de Tarso, como nas demais, o acesso aos níveis básicos de escolaridade era oferecido (At 22.3). Segundo Wright, além das próprias Escrituras e a Torá não escrita, discussões cumulativas e progressivas dos pontos mais refinados faziam[2] parte do processo educativo, se desenvolveram com a tradição oral e foram codificados, quase dois mil anos depois, no Mishná. F. F. Bruce sugere a possibilidade de Paulo ter sido ordenado rabino (doutor da Lei), caso a ordenação com no mínimo 40 anos de idade tenha sido uma exigência estabelecida após 70 d.C. [3] Becker descarta tal possibilidade, sugerindo que Paulo teria sido educado apenas para viver conforme um fariseu (orientação de vida), e não para exercer o cargo de rabi, além de afirmar que em nenhum lugar se faz referência a Paulo como um rabi ordenado.[4]
O conhecimento que Paulo tinha da língua e cultura grega, conforme a sugestão de alguns estudiosos, pode ter sido adquirido em Tarso em algum momento da sua vida.[5] A Cilícia era conhecida como um centro de estudos, onde as suas escolas dedicavam-se à filosofia, à retórica e à educação de forma geral. A cidade de Tarso pode ser considera com o que hoje chamaríamos de cidade universitária. Alguns dos seus filósofos eram conhecidos em muitos lugares, dentre os quais Atenodoro, o Estoico e Nestor, o Acadêmico, professor do imperador César Augusto.[6]
Becker supõe que Paulo, desde a infância, fosse habituado a falar a língua comum da diáspora como língua franca, e considera ainda que o nível de educação de Paulo está concentrado na versão grega da Bíblia (Septuaginta) e determinado pela cultura geral helenística. Como cristão, as suas muitas visitas às cidades helenísticas podem ser um reflexo de sua socialização em ambiente helenístico urbano, apontando assim para Tarso, como um possível lugar de sua juventude.[7] Tal argumento é improvável, devido as evidências internas do Novo Testamento, onde é afirmado que Paulo foi criado em Jerusalém (At 22.3).
Hock declara que o status aristocrático de Paulo faz da educação um pressuposto, e suas cartas manifestam um excelente domínio da língua grega, e uma familiaridade com as convenções literárias e retóricas da educação grega, que somente uma plena e completa educação no grego por parte de Paulo consegue explicar os testemunhos. Com base em testemunhos documentais mais recentes, a educação greco-romana era dividida em quatro graus: o grau zero (menos experiente), o alfabético, o evolutivo e o rápido (o mais avançado). Os alunos entravam para a escola aos sete anos, onde aprendiam a ler, escrever e contar. Aos doze anos, após dominar os rudimentos da leitura, passavam a estudar gramática e literatura. Com cerca de quinze anos, principalmente os estudantes de origem aristocrática, passavam para a terceira etapa da educação, onde estudariam com um filósofo ou com um orador, onde o currículo retórico ganhava destaque (arte de falar e elaborar discursos).[8] O estudo da retórica envolvia o discurso forense, político e ocasional.[9]
Becker, aos discorrer sobre a instrução greco-romana nos dias de Paulo, indica o seguinte plano formativo: (a) nível fundamental (ginástica, música, ler e escrever) sob a responsabilidade de escravos e professores particulares; (b) formação geral superior (gramática, leitura dos clássicos, retórica, dialética, matemática e teoria da música), tarefa dos reitores e suas escolas; e (c) o estudo nas escola filosóficas, onde se transmitiam também os conhecimentos técnicos mais importantes da antiguidade em todos os campos do saber.[10]
Há reticências quanto a possibilidade de Paulo ter se submetido a uma educação formal grega, visto que havia muitos manuais de retórica acessíveis em circulação, e ele bem poderia ter estudado a partir destes manuais. A instrução retórica era também possível de ser aprendida nas sinagogas de língua grega. Fora isso, os anos de atividade missionária podem ter desenvolvido as suas habilidades retóricas. Os estudiosos da educação de Paulo se dividem nessas questões.[11] Para Becker, é difícil supor que uma família judaica, cuja prática religiosa era de fidelidade à Lei e de orientação farisaica, colocasse o seu filho numa escola gentílica.[12] Aos pés da Gamaliel, além das tradições rabínicas e do aprofundamento no estudo da Lei, juntamente com os seus companheiros podem ter feito cursos em relação à cultura e língua grega. O conhecimento da literatura e da cultura grega expresso em suas cartas era comum nos círculos de pessoas instruídas no mundo helenístico da época.[13]
O fato é que o nível de instrução de Paulo em termos de judaísmo e helenismo é notório e indiscutível. Paulo tinha familiaridade com as atividades e instituições atléticas e educacionais (1 Co 9.24-27; Gl 2.2; Fp 2.16; 1 Tm 6.12; 2 Tm 4.7).[14] O seu conhecimento filosófico e literário é demonstrado através de suas citações do poeta e filósofo cretense Epimênides (At 17.28a), do poeta ciliciano Arato e de filósofo estoico grego Cleanto (At 17.28b), dos filósofos Sócrates (1 Co 11.28a) e Platão (1 Co 9.24b; Fp 1.21), de Menandro, autor grego (1 Co 15.33), e do filósofo pré-socrático Epimênides de Cnosso (Tt 1.12).[15]
A desenvoltura de Paulo no judaísmo (Gl 1.14), na fala e no pensamento grego expostos ao longo do Novo Testamento, leva-nos a concluir que ele possuía uma educação judaica e helênica de alto nível, onde a primeira foi adquirida em Jerusalém (At 22.3), e a segunda através de leituras (2 Tm 4.13), estudos na sinagoga e mediante a experiência de vida cotidiana no mundo greco-romano, nas diversas fases da sua vida. A sabedoria, a inteligência, a instrução e o conhecimento diferenciados de Paulo são reconhecidos abertamente por Pedro: “[…] como também o nosso amado irmão Paulo escreveu a vocês, segundo a sabedoria (sophían) que lhe foi dada” (2 Pe 3.15). O termo grego sophia (sabedoria), pode ser compreendido, dentre outras possibilidades, como capacidade para entender e conhecimento especializado.
A educação judaica e greco-romana
que Paulo teve acesso, associada ao evangelho que foi recebido por ele,
ensinado diretamente pelo próprio Senhor Jesus (Gl 1.11,12), e pela revelação
que recebeu de Deus por meio do Espírito (1 Co 2.10-13), tornou Paulo o grande
escritor e apóstolo que conhecemos. Apesar de toda a sua educação e formação,
Paulo não confiava em sua capacidade retórica e sabedoria humana, se apoiando
em demonstrações do Espírito e de poder (1 Co 2.4,5), e na sabedoria procedente
de Deus (1 Co 2.6-9).
[1] BRUCE, F. F. Paulo: o apóstolo da graça, sua vida, cartas e teologia. Tradução de Hans Udo Fucs. São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 44,45.
[2] WRIGHT, N. T. Paulo: uma biografia. Traduzido por Elissamai Bauleo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019, p. 52.
[3] Bruce, ibid.
[4] BECKER, J. Apóstolo Paulo: vida, obra e teologia. Tradução de Irineu J. Rabusque. São Paulo: Academia Cristã, 2007, p. 64.
[5] Bruce sugere algo em torno dos trinta anos.
[6] Ibid., p. 223.
[7] BECKER, ibid., p. 59.
[8] HOCK, Ronald. F. Paulo e a educação greco-romana. In: SAMPLEY, J. Paul (Org.). Paulo no mundo greco-romano: um compêndio. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2008, p. 172-185.
[9] BECKER, ibid., p. 87.
[10] BECKER, p. 83,84.
[11] BRUCE, ibid., p. 193,194.
[12] BECKER, ibid., p. 84.
[13] BRUCE, ibid., p. 189.
[14] HOCK, ibid., p. 194.
[15]GERMANO, Altair. O líder cristão e o hábito de leitura. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 66,67. Ver também “O apóstolo Paulo e seu uso da filosofia grega”, disponível em: https://professorcorreia.com.br/, acesso em 3/5/2021.
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