Freire é solidário com os seus companheiros e intelectuais progressistas, que durante a intervenção militar de 1964 seguiram para o exílio. Dom Helder Câmara, é então considerado por Freire como um profeta socialista ameaçado e emudecido pelos seus “opressores”.[1]
Outros “heróis” socialistas são citados por Freire ao longo de sua produção literária, entre eles, Che Guevara (1928-1967):[2]
A confiança das massas na liderança implica a confiança que esta tenha nelas. Esta confiança nas massas populares oprimidas, porém, não pode ser uma confiança ingênua (Pedagogia da Desconfiança?). […] Desconfiar dos homens oprimidos, não é, propriamente, desconfiar deles enquanto homens, mas desconfiar do opressor “hospedado” neles. Desta maneira, quando Guevara chama a atenção ao revolucionário para a “necessidade de desconfiar sempre – desconfiar do camponês que adere, do guia que indica os caminhos, desconfiar até de sua sombra”, não está rompendo a condição fundamental da teoria da ação dialógica. Está sendo, apenas, realista. […] Foi assim, no seu diálogo com as massas camponesas, que sua práxis revolucionária tomou um sentido definido. Mas, o que não expressou Guevara, talvez por sua humildade, é que foram exatamente esta humildade e a sua capacidade de amar que possibilitaram a sua “comunhão” com o povo. E esta comunhão, indubitavelmente dialógica, se fez co-laboração. […] Até no seu estilo inconfundível de narrar os momentos da sua e da experiência dos seus companheiros, de falar de seus encontros com os camponeses “leais e humildes”, numa linguagem às vezes quase evangélica, este homem excepcional revelava uma profunda capacidade de amar e comunicar-se. Daí a força de seu testemunho tão ardente quanto o deste outro amoroso – “o sacerdote guerrilheiro” –, Camilo Torres”.[3]
Na opinião de Paulo Freire, Che Guevara foi um dos maiores profetas dos silenciosos do Terceiro Mundo,[4] embora violentamente (e contraditoriamente) tenha silenciado e executado a muitos em nome da revolução.
Sobre Fidel Castro (1926-2016),[5] destacou a sua liderança revolucionária:
A liderança de Fidel Castro e de seus companheiros, na época chamados de “aventureiros irresponsáveis” por muita gente, liderança eminentemente dialógica (desde que não contrariado), se identificou com as massas submetidas a uma brutal violência, a da ditadura de Batista. Com isto não queremos afirmar que esta adesão se deu tão facilmente. Exigiu o testemunho corajoso, a valentia de amar o povo (desde que submisso) e por ele sacrificar-se (desde que pressupondo certas mordomias e privilégios).[6]
Citando Lênin (1870-1924),[7] que afirmou: “Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário”, Freire ensina que não há revolução com verbalismos, nem tampouco com ativismo, mas com práxis (ação consciente socialista), portanto, com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas (capitalistas e conservadoras) a serem transformadas.[8]
A armadilha ideológica capitalista e burguesa denunciada por Freire, e que o sistema educacional socialista deve transformar, é claramente parte do Marxismo Cultural de nossos dias. Vejamos:
[…] a ideologia tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna “míopes”. O poder da ideologia me faz pensar nessas manhas orvalhadas de nevoeiro em que mal vemos o perfil dos ciprestes como sombras que parecem muito mais manchas de sombras mesmas. […] Mais séria ainda é a possibilidade que temos de docilmente aceitar que o que vemos e ouvimos é o que na verdade é, e não a verdade distorcida. A capacidade de penumbrar a realidade, de nos “miopizar”, de nos ensurdecer que tem a ideologia faz, por exemplo, a muitos de nós, aceitar docilmente o discurso cinicamente fatalista neoliberal que proclama ser o desemprego no mundo uma desgraça do fim do século. […] A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um destino que não poderia se evitar, uma quase identidade metafísica e não um monumento do desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, a uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o poder.[9]
A citação acima, descreve com riqueza de detalhes, a realidade vivida no atual contexto político-econômico do Marxismo Cultural, mesmo não tendo sido esta a intenção de Freire.
Como fica bastante
evidente na pedagogia progressista de Paulo Freire, o projeto revolucionário
(atualmente pós-marxista) depende em muito da instrumentalização de todos os
espaços educativos e escolares possíveis, e na doutrinação e formação das novas
elites pensantes revolucionárias (principalmente os professores), que devem fielmente
nas escolas reproduzir tal ideologia, semanticamente apresentada como um saber
libertário e necessário para a concretização dos ideais de uma sociedade
socialista dos sonhos (ou dos pesadelos ideológicos totalitários e intolerantes
quanto aos que pensam diferente?).
[1] FREIRE, A educação na cidade, ibid., p. 61.
[2] Ernesto Guevara de la Serna, mais conhecido como Che Guevara, foi um revolucionário marxista, médico, autor, guerrilheiro, diplomata e teórico militar argentino. Uma figura importante da Revolução Cubana, seu rosto estilizado tornou-se um símbolo contra cultural de rebeldia e insígnia global na cultura socialista (Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Che_Guevara, acesso em 29/3/2023. Contra este homem “amoroso”, diversas práticas lhe são atribuídas na condição de guerrilheiro, que configuram crimes contra os direitos humanos. As principais são: (a) campos de trabalho forçado; (b) homofobia e intolerância religiosa; (c) fuzilamentos sem julgamento; (d) incentivar uma guerra nuclear. (Medicina, armas e motos — saiba quem foi Che Guevara, um dos maiores revolucionários da história. Disponível em: https://www.brasilparalelo.com.br, acesso em 29/3/2023). Ver também: MARQUEZ, Nicolás. La máquina de matar: biografía definitiva del Che Guevara. Unión Editorial/Centro de Estudios LIBRE (Spanish Edition). Grupo Unión. Edição do Kindle.
[3] FREIRE, Pedagogia do oprimido, ibid., p. 168,169.
[4] FREIRE, Ação cultural para liberdade e outros escritos, ibid., p. 95.
[5] Fidel Alejandro Castro Ruz, mais conhecido como Fidel Castro, foi um político e revolucionário cubano que governou a República de Cuba como primeiro-ministro de 1959 a 1976 e depois como presidente de 1976 a 2008. Politicamente, era nacionalista e marxista-leninista (Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fidel_Castro, acesso em 29/3/2023)
[6] FREIRE, Pedagogia do oprimido, ibid., p. 163.
[7] Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido pelo pseudônimo Lênin, foi um revolucionário comunista, político e teórico político russo que serviu como chefe de governo da Rússia Soviética de 1917 a 1924 e da União Soviética de 1922 até sua morte. Sob sua administração, a Rússia e em seguida a União Soviética tornaram-se um Estado socialista unipartidário governado pelo Partido Comunista (PCUS). Ideologicamente marxistas, suas teorias políticas são conhecidas como leninismo (Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin, acesso em 29/3/2023)
[8] FREIRE, Pedagogia do oprimido, ibid., p. 122.
[9] FREIRE, Pedagogia da autonomia, ibid., p. 126.
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