Hermas (c. séc. II)

Hermas é o autor de o Pastor (séc. II), obra do gênero apocalíptico, contendo visões, preceitos e parábolas, citada com bastante frequência nos escritos de Eusébio de Cesareia, Irineu (Adversus haereses 4,20,2), Clemente de Alexandria (Stromates 1,29; 2,10), Orígenes (Commment. in Rom. 10,31; 16,14; in Mat. 14,21; De principiis 4,2,8), Tertuliano (De oratione 16; De pudicitia 10,11), Jerônimo (De vir. IIl 10).[1]

Eusébio, Jerônimo e Orígenes identificam Hermas com aquele citado por Paulo em Romanos 16.14: “Saudai a Asíncrito, a Flegonte, a Hermas, a Pátrobas, a Hermes, e aos irmãos que estão com eles”.[2] Com base em dados que se encontram esparsos no texto da obra, pode-se deduzir que Hermas seria um cristão, escravo de nascença, vendido em Roma a uma mulher chamada Rode. Uma vez libertado por ela, casou-se com uma mulher “linguaruda”.[3]

No Cânon de Muratori é dito que: “[…] muito recentemente, em nossa época, na cidade de Roma, Hermas escreveu o Pastor, quando seu irmão Pio (142-155), o bispo, ocupava a cátedra de Roma”.[4] Com base em tal informação, o Pastor teria sido escrito por volta de 150.[5]

As informações No Oriente, e mais especificamente nas igrejas gregas, a obra Pastor foi tida por alguns como inspirada, por todos como útil, e recusada por outros.[6] O fato é que a obra é um dos escritos mais considerados da antiguidade.[7]

Segundo Hermas, o Espírito Santo fortalece o crente, habilitando-o a receber revelações espirituais:

Depois que escrevi os mandamentos e as parábolas do pastor, anjo da penitência, ele veio a mim e disse: “Quero te mostrar tudo o que te mostrou o Espírito Santo, que te falou na figura da Igreja. Esse Espírito é o Filho de Deus. Estavas muito fraco na carne e, por isso, não te foi revelado por meio de anjo. Contudo, quando ficaste fortalecido pelo Espírito e tu mesmo tiveste a força para poderes ver um anjo, então te foi revelada, por meio da Igreja, a construção da torre. Viste bem e santamente, qual uma virgem, todas as coisas. Agora, graças a um anjo, vês por meio do próprio Espírito.[8]

Passado algum tempo, dirigindo-me para Cumas, refletia como são grandes, marcantes e poderosas as obras de Deus. Durante a viagem dormi. Então o espírito me arrebatou e me conduziu através de um caminho impraticável, por onde ninguém podia andar. O lugar era escarpado, todo cortado por águas. Atravessei o rio que aí havia e, chegando à planície, me ajoelhei e comecei a rezar a Deus, confessando-lhe meus pecados.[9]

Eu me dirigia para Cumas, na mesma época do ano anterior. Enquanto caminhava, lembrei-me da visão que tivera no ano anterior, e novamente um espírito me arrebatou e me transportou para o mesmo lugar do ano precedente. Chegando aí, ajoelhei, comecei a rezar ao Senhor e a glorificar o seu nome, por me ter considerado digno e me ter dado a conhecer os meus pecados passados.[10]

E ainda, encontramos as seguintes experiências e ensinos sobre o poder e os dons do Espírito descritas em o Pastor:

Em primeiro lugar, quem tem o espírito que vem do alto, é calmo, sereno e humilde. Ele se abstém de todo mal e de todo desejo vão deste mundo; ele se considera inferior a todos e, quando interrogado, nada responde a ninguém e não fala em particular. O Espírito Santo não fala quando o homem quer, mas só quando Deus quer que ele fale. Quando um homem, que tem o espírito de Deus, entra numa assembleia de homens justos, crentes no espírito divino, e nessa assembleia de homens justos se suplica a Deus, então o anjo do espírito profético que está junto dele, plenifica esse homem, e ele, pleno do Espírito Santo, fala à multidão conforme quer o Senhor. É desse modo que se manifesta o espírito da divindade. Tal é o poder do Senhor sobre o espírito da divindade. Escuta agora a respeito do espírito terreno e vão, que não tem poder e é insensato. Primeiro, tal homem, que julga possuir o espírito, exalta-se a si mesmo, quer ter o primeiro lugar, e logo se apresenta descaradamente, imprudente e loquaz. Vive em meio a muitas delícias e muitos outros prazeres, e aceita pagamento por sua profecia. Quando nada recebe, também não profetiza. Poderia um espírito divino receber pagamento para profetizar? Não é possível que o profeta de Deus aja desse modo; o espírito desses profetas é terreno. Além disso, ele não se aproxima da assembleia de homens justos para nada, mas foge deles. Ele se une aos vacilantes e vãos, e profetiza para eles à parte. Engana-os, falando-lhes coisas vazias, conforme o que desejam, pois responde para gente vazia. Um vaso vazio quando bate em outro vaso vazio não quebra, apenas ressoam mutuamente. […] Aí tens a vida dos dois tipos de profeta. Examina, portanto, o homem que se diz portador do espírito, a partir de seus atos e de sua vida. Quanto a ti, crê no espírito que vem de Deus e tem poder, mas não creias no espírito terrestre e vazio, porque nele não existe poder. Ele vem do diabo. […] Vês, portanto, que as melhores coisas que caem do alto sobre a terra têm grande força. Da mesma forma, o espírito divino que vem do alto é poderoso. Crê, portanto, nesse espírito e afasta-te do outro.”[11]

Há diversas alusões sobre o poder e os dons espirituais relatadas na obra Pastor, o que faz a obra e o seu autor importantes testemunhas da presença dos dons do Espírito entre os cristãos do século II.[12]

Fonte: pentecostalismo.com (Pentecostalismo com Inteligência)


[1] Apostólicos, Padres. Patrística – Padres Apostólicos – Vol. 1: Clemente Romano | Inácio de Antioquia | Policarpo de Esmirna | O pastor de Hermas | Carta de Barnabé | Pápias | Didaqué (Portuguese Edition) (p. 161-163). Paulus Editora. Edição do Kindle.

[2] Ibid.

[3] Ibid., p. 165.

[4] Ibid., p. 164.

[5] Ibid., p. 164,165.

[6] Ibid., p. 164.

[7] Ibid., p. 161.

[8] Ibid., p. 244.

[9] Apostólicos, Padres. Patrística – Padres Apostólicos – Vol. 1: Clemente Romano | Inácio de Antioquia | Policarpo de Esmirna | O pastor de Hermas | Carta de Barnabé | Pápias | Didaqué (Portuguese Edition) (p. 114). Paulus Editora. Edição do Kindle.

[10] Ibid., p. 116.

[11] Ibid., p. 139,140.

[12] Ronald. A continuidade dos dons espirituais na igreja primitiva: uma análise dos dons do Espírito durante os primeiros três séculos da igreja cristã. Tradução de Luís Aron de Macedo. Rio de Janeiro: CPAD, 2023, p. 37.

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