Um dos principais fundamentos textuais dos defensores e promotores dos modernos textos críticos do Novo Testamento (Tischendorf, Westcott-Horth, Nestle-Aland, etc.), seguidos pelos editores das modernas versões bíblicas (TB, ARA, NAA, NVI, NVT , BTX, NTLH, etc.), é que deve-se preferir as leituras mais curtas presentes nas cópias dos manuscritos gregos do NT, visto que os escribas seriam mais propensos para fazer interpolações do que omissões no texto. Dessa forma, as versões modernas justificariam as milhares de palavras e versículos inteiros omitidos por seus editores no Novo Testamento.

A refutação de que copistas e estudiosos cristãos tendiam a escolher a leitura mais longa foi feita pelas pesquisas de A. C. Clark, professor catedrático de latim na Universidade de Oxford, em sua obra The Descent of Manuscripts. Nessa investigação realzada nos clássicos gregos e latinos, Clark prova de maneira conclusiva que o erro a que os copistas eram mais propensos não era interpolação, mas sim omissão acidental.[1]

Philip W. Comfort, defensor da abordagem metodológica documentária, ao comentar sobre o Papiro 45 (P45), do início do século 3, destaca os seguintes fatos, que corroboram com a tese de Clark:[2]

– O escriba trabalhou sem qualquer intenção de reproduzir com exatidão sua fonte;

– O escriba não transcreveu o texto cuidadosamente palavra por palavra;

– Enquanto copiava expressões e orações, ele trabalhava reproduzindo o que imaginava ser o pensamento de cada frase (transcrição dinâmica), transpondo e omitindo muitas palavras e excluindo várias frases;

– O aspecto mais notável do seu estilo é a concisão;

– O escriba tinha propensão à brevidade, com tendência notável em omitir partes dos textos, muitas vezes (ao que parece) acidentalmente, mas talvez também em um recorte proposital;

– O copista omite advérbios, adjetivos, substantivos, particípios, verbos, pronomes pessoais, sem qualquer hábito compensatório de acréscimo;

– As omissões foram muitas vezes resultado de harmonizações;

– O texto de P45 varia em cada livro, ficando no mio do caminho entre manuscritos alexandrinos e os chamados Ocidentais.

Como se percebe aqui: (a) a antiguidade de um manuscrito não é sinônimo da sua qualidade textual; (b) a omissão de palavras estava bem presente entre os copistas gregos; (c) a harmonização implicava em omitir palavras e não somente em acrescentar.

Sobre P45, Pickering comenta que o manuscrito possui aproximadamente 90 itacismos (erro cometido quando o copista confunde vogais e ditongos que têm pronúncia igual ou muito semelhante), cerca de 275 leituras singulares (só aparecem nesse manuscrito), onde 10% das quais são sem sentido.[3] P45 é mais curto que P66 e P75. Segundo Colwell, o copista de P45 “usou um machado afiado”. O copista de P45 deliberada e extensivamente encurtou o texto.[4]

No caso de P46, trata-se de um manuscrito “razoavelmente confiável”.[5] Na análise de Zuntz, o manuscrito “está repleto de erros grosseiros de cópia, de omissões e adições”.[6]

Sobre P66 (séc. II), lemos que o escriba original produziu diversas leituras sem paralelos que revelam sua interpretação independente do texto, tornando-se assim um coprodutor de um texto novo.[7] Além disso, possui quase 200 leituras sem sentido, 400 grafias itacísticas, e adicionalmente mais que duas vezes “saltos” de palavras iguais para iguais.[8]

A omissão de palavras é uma característica da tradição textual alexandrina. Comparados com a maioria dos manuscritos gregos (tradição bizantina), o Códice Sinaítico omite/mutila nada menos que 3.455 e o Códice Vaticano 2.877, somente dos quatro Evangelhos.[9] Eles divergem entre si mais de 3.000 vezes somente nos Evangelhos,[10] o que dá uma média de quase uma divergência por versículo.[11]

Sobre o códice Sinaítico se afirma que o copista era propenso a erro e a emendas criativas,[12] e que “o texto apresenta muitas leituras singulares e descuidos.[13]

O Códice Vaticano, apesar de ser considerado pelos defensores da tradição textual alexandrina como de melhor qualidade que o Códice Sinaítico, conforme Kenyon, está: “desfigurado por muitos erros grosseiros no processo de copiar”.[14] Além disso, F. H. A. Scrivener afirmou que: “Uma propriedade marcante, característica desta cópia, é o grande número de suas omissões […]”.[15]

As interpolações feitas pelos copistas não são muitas vezes mais numerosas que as omissões, como afirmam os defensores da tradição textual alexandrina, das edições críticas modernas que priorizam essa tradição e das modernas versões do Novo Testamento.

Mesmo argumentando em favor da hipótese de uma constante expansão do texto do NT, Comfort entende que:

“Entretanto, deve-se sempre ter em mente que MUITOS manuscritos dos primeiros séculos foram produzidos por escribas inclinados à brevidade – muitas vezes visando alcançar uma melhor legibilidade. Portanto, o cânone “a leitura mais breve” não é um critério absoluto.”[16]

Uma prova disso, é que em vários lugares onde o Códice Sinaítico diverge do Códice Vaticano, a leitura mais longa é seguida (mesmo que colocada entre colchetes simples) pelos editores do texto crítico de O Novo Testamento Grego (Mt 3.16; 6.25; 9.14; 13.35; 15.14; 19.11; 20.10,15,17; 23.38; 28.15 etc.). Em outros lugares, a leitura mais longa presente em outros manuscritos substitui a leitura mais breve presente nos Códices Sinaítico e Vaticano (Mt 8.21; 12.15; 15.15; 16.2-3; 18.15; 19.10; 20.23 etc.).

Dessa forma, o cânon mais amplamente usado contra o texto “Bizantino” (brevior lectio potior – a leitura mais curta seja a preferida), não se sustenta à luz das pesquisas de A. C. Clark, da prática de alguns copistas egípcios/alexandrinos, e nem de várias decisões textuais dos editores de O Novo Testamento Grego (SBU/SBB).


[1] PICKERING, Wilbur Norman. Como identificar a redação original do Novo Testamento. Edição do Autor: 2024, p. 54,55.

[2] COMFORT, Philip W. Manuscritos do Novo Testamento: uma introdução à paleografia e à crítica textual. São Paulo: Vida Nova, 2022, p. 95-97.

[3] PICKERING, ibid., p. 70.

[4] Ibid., p. 70.

[5] COMFORT, ibid., p. 97

[6] PICKERING, ibid., p. 71.

[7] COMFORT, ibid., p. 101

[8] PICKERING, ibid., p. 69.

[9] BURGONS, John William. The Revision Revised (Londres, 1883).United States: Zincread, 2024, p. 53.

[10] HOSKIER, H. C. Codex B and its allies, a study and an indictment. V. 2 . London: Bernard Quaritch, 1914, 1.

[11] PICKERING, ibid., p. 71.

[12] COMFORT, ibid., p. 111.

[13] ALAND; Kurt; ALAND, Barbara. O texto do Novo Testamento: introdução às edições científicas do Novo Testamento Grego bem como à teoria e prática da moderna crítica textual. Barueri, SP: SBB, 2013, p. 117.

[14] PICKERING, ibid., p. 72.

[15] PICKERING, ibid., p. 72.

[16] COMFORT, ibid., p. 386.

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